Uns dias atrás eu estava visitando alguns blogs que
sigo. Entre eles o “Veredas da Língua”. Olha aqui, olha ali e encontrei o texto que
vou compartilhar nesta postagem.
Achei que ele caiu muito bem nos dias atuais onde
parece que todo mundo ficou expert – em tudo. Por causa da Covid as pessoas não
aceitam mais os anos de estudo de médicos, cientistas, jornalistas e tantos
outros profissionais. Não ouvem. Não acolhem. Não respeitam a opinião deles. Isso porque estamos vivendo uma era em que,
cada um se fixa em uma ideia, tira sua própria conclusão, e qualquer coisa além daquilo é
mentira. Na maioria dos casos é politicagem.
É preciso acreditar em alguma coisa.
Acreditar, por exemplo, que o ser humano é o único
animal que solta marimbondos de fogo pela boca. Acreditar, digamos, que a letra
de “A Minha Renúncia”, cantada por Nelson Gonçalves, é da autoria de Jânio
Quadros, um verdadeiro retrato do artista quando sóbrio. Acreditar nas virtudes
curativas do chá de boldo, da ipecacuanha, da casca de batata. Acreditar,
piamente, que vai terminar a matança das baleias, que pulularão nos mares, na
entrada do novo milênio, que se anuncia. Crer, senhores, crer com fé de
velhinha polaca. Crer, vá lá, que, um belo dia, Sócrates (o jogador, não o
filósofo) vai ser presidente da República. Acreditar que existe alguma coisa
além da morte, já que, do lado de cá, tem tanta coisa interessante. Tem que
acreditar, não interessa em quê. Acreditar em cegonha, em Papai Noel. Em
coelhinho da Páscoa e em sociedade sem classes. Crer, com funda fé, na vitória
final do bem, do concretismo e das conquistas fundamentais da tropicália.
Sobretudo, acreditar que tudo vai melhorar, o volume da dívida externa, a
qualidade da carne bovina, a ilegível letra dos médicos, os quilates das pedras
preciosas do Abi-Ackel, o espírito democrático do general Newton Cruz, o direto
de esquerda do Maguila, o liberalismo do Vaticano, o grau de consciência
política dos surfistas cariocas. Acreditar, acreditar em tudo, de preferência.
Sem fé, a gente sai do juvenihilismo, do Martins
Suzuki, o Bruce Lee do jornalismo brasileiro (cada porrada é um tombo), para se
atirar nos braços do veteroceticismo, tão bem detectado pelo Sérgio Augusto.
Os muito cínicos que me desculpem, mas fé é
fundamental.
E, para ter fé, é preciso uma boa e corajosa dose
de burrice.
O que eu vejo nos meus colegas da Folha é que todo
mundo é inteligente demais. Cruz credo! Até parece que todo mundo, quando
crescer, quer ser Paulo Francis. Ou Deus, pelo menos.
E eu estou aqui para alertar contra os perigos da
inteligência e da lucidez em estado puro.
Eu quero a inteligência em estado burro.
Inteligência é que nem droga. Nego começa com um
pouquinho, vai vai aumentando a dose. E de repente, está viciado. Pronto, não
acredita mais em nada do que lê, venha donde vier, dos Upanishads, do livro do
Gênesis, do Corão, do Bagavad Ghita, da Declaração dos Direitos do Homem, do
Livro dos Mórmons, do Manifesto Comunista, do “Diário Oficial”, do “Planeta
Diário”.
Inteligência em estado puro é um perigo. Ela leva
ao ceticismo, ao sarcasmo, ao deboche, ao estado sardônico do Ruy Castro, por
exemplo. Tudo é risível porque, sempre, o rei está nu. E se não estiver?
Semanas atrás, publiquei aqui mesmo um brado de
alerta pedindo “carinhos e ternuras” aos meus colegas de lucidez. O apelo caiu
em ouvidos surdos. Todos, sem exceção, continuaram sua louca marcha suicida em
direção à lucidez, à visão crítica, à maldita inteligência. Depois, não digam
que eu não avisei.
Quanto a mim, tenho uma fé inquebrantável no fato,
indiscutível, de que estou aqui, sentado à máquina, escrevendo um texto em prol
do essencial, aquele componente da estupidez sem o qual não há vida humana
possível, nestes tempos Blade Runner de pós-tudo e pré-algo.
E essa
certeza enche a minha vida de calor e sentido, nesta madrugada, dispendiosa
arquitetura que um passarinho, amigo meu, acaba de liquidar com um simples
pio-pio.
(Paulo Leminski)
Ótima postagem. Sábias palavras. Tudo a ver. Obrigado.
ResponderExcluirHedson
LaPlaya.
Oi Hedson,
ResponderExcluirAgradeço a visita e o comentário.
Volte sempre!