segunda-feira, 25 de junho de 2012

De quem o pai gosta mais?



Pais ficam aflitíssimos ao afirmarem: -“Gosto dos meus filhos igualzinho”, por serem imediatamente contestados. – “É mentira!”, brada o primeiro, “É mentira!”, repete o segundo, o terceiro e quantos mais filhos houver.
“É mentira”, fala também a voz da consciência na cabeça dos pais: eles sabem que é mentira, mas como confessá-la sem imediatamente não se verem tachados pelos filhos, e por si próprios, de injustos, interesseiros, parciais, e mais e mais?
Por suposto que é mentira e qual é o grande problema em afirmá-lo? A questão é que se condensa e se confunde, no termo "gostar", afinidade e amor. O impasse pode ser facilmente resolvido se os pais souberem que o amor pelos filhos é igual, mas as afinidades com um ou com outro, são obviamente diferentes, inclusive variando no tempo e na circunstância.
O amor de um pai – genericamente falando, pai ou mãe – por um filho, é um amor que faz com que ele possa morrer por um filho. Esse é um tema destacado pelo filósofo francês, Luc Ferry, em seu último livro: A revolução do amor. Quando se morre por alguém,  evidentemente não há graduação; não se pode morrer mais por um filho e menos por outro. Ninguém morre pela metade e `morrer´, aqui,  não é utilizado metaforicamente. Hoje em dia não morremos mais pelos três grandes ícones do mundo moderno, anterior ao nosso, pós-moderno, a saber: a pátria, a revolução, a religião; quando se trata do mundo ocidental, é claro. Essas atitudes não fazem mais nenhum sentido, embora já tenha feito e muito. Mas, morrer por um filho, sim; nenhum outro sentido lhe é hoje superior.
Agora, já a afinidade é outra coisa. A afinidade é uma parte do amor, aquela que diz respeito ao compartir os mesmos fins. Exemplo: torcer por um time de futebol; gostar de um tipo de conversa e de leitura; preferir uma casa de praia, ou de montanha; escolher uma roupa, mais discreta ou mais espalhafatosa; compartilhar o gosto por cinema; adorar ficar em casa, ou sair muito; e por aí vai. A afinidade é múltipla, e como escrevi acima, varia com o tempo. Ninguém comparte todas as afinidades com a mesma pessoa, é quase impossível, até porque a própria pessoa muda seus gostos pelos mais variados motivos: pelo dia, humor, cansaço, enfim, pelo chamado “estado de espírito”. A consequência é que pode parecer que hoje o pai prefira o filho mais velho e que amanhã o caçula se veja o escolhido. Diz alguém que o sortudo é o pai, pois esse – pai ou mãe – só existindo um, ao filho não é dado preferir uma mãe a uma outra mãe. Por certo ele preferirá algumas vezes a mãe, noutras o pai.
O mais interessante do amor de um pai por um filho é que ele não é explicável, logo, também por isso não cabe dizer que ele é maior por este ou aquele filho, uma vez que não sendo explicável não pode ser mensurável.
Este ponto de inexplicável, de não dito no amor de pais e filhos é uma âncora fundamental para a vida de um filho. Ele junta nessa âncora duas qualidades importantes: apoio e flexibilidade. Apoio, pois um filho conta com a certeza desse amor, ao enfrentar as incertezas da vida, e flexibilidade, pois exatamente por não ter explicação, esse amor permite muita variação de escolhas pelo filho: ele não será menos amado se fizer isto ou aquilo, exatamente porque o amor está sempre além das afinidades. Aqui vale lembrar que ele está mais além inclusive das afinidades biológicas. Temos um fato recente que ilustra isso, dado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ocorre que FHC reconheceu um filho gerado fora de seu casamento, há um bom tempo. Razões que ultrapassam o nosso âmbito o levaram a fazer um teste de DNA, de prova de paternidade. Esse teste deu negativo, negando-lhe a paternidade biológica. Incontinenti, o ex-presidente disse que sua paternidade não dependia do componente de DNA e que em nada aquele teste mudaria sua relação com o seu filho.
As afinidades são muitas, diversas, móveis; o amor de um pai é um só.

Jorge Forbes

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Eu e a chuva.

Uma chuvinha fina e silenciosa cai lá fora. Depois de deixar o despertador se acabar de tanto tocar, me levanto. O dever me espera.
Logo no elevador encontro com um morador do prédio.
Ele diz: _Que chuvinha boa.
 _É, boa para ficar na cama. Foi o que respondi.
Ele fala que gosta porque não faz nada (provavelmente é aposentado).
_Se não faz nada mais um motivo para ficar na cama, retruquei. Vai entender.rss
Saindo, no portão, vejo que o porteiro já chegou. Pensei... com um tempo assim costumamos sair de casa mais cedo, pode ocorrer imprevistos pelo caminho.
Começo a caminhar em direção ao meu trabalho e, no mesmo sentido três jovens rapazes seguem seu destino. Somente um deles está com guarda-chuva. Os outros dois caminham tranquilamente, como se nem sentissem a chuvinha que caía sobre eles, já estavam um pouco molhados.  Engraçado que ontem, ao voltar para casa depois do expediente, pensei no meu filho. Será que ele estaria preparado para a chuva que começara a cair? Hoje vendo esta cena tenho claro que provavelmente não, e mais ainda, me conscientizo de que já fui jovem e, mesmo sendo mulher (que é mais cuidadosa), adorava "esquecer" minha sombrinha só para sentir a chuvinha fina caindo sobre mim, sem falar de quantas vezes estava um frio danado e eu com trajes que não eram condizentes com o clima. Coisas da juventude!!
Continuei caminhando devagar, até mesmo para não molhar os pés. Em casa, procurei escolher um calçado que me proporcionasse caminhar com segurança (salto nem tão fino, nem tão alto) e ao mesmo tempo que não molhasse meus pés.
Faltando duas quadras para chegar no escritório cruzo com um senhor (morador de rua), ele caminha calmamente (parece nem se preocupar com a chuva) o pensamento distante, com suas cobertas e alguns papelões (seu colchão) na mão. Me cortou o coração... para onde ele estava indo? Com esse tempo aquelas cobertas não vão secar! Como ele vai dormir à noite pois com certeza fará muito frio. Só me ocorreu elevar uma oração à Deus pedindo que protegesse essas pessoas desprovidas de um teto, de uma cama quentinha, de um alimento para forrar o estômago nessas noites de frio.
Continuei caminhando e como sempre, tudo observando.
Pronto... enfim cheguei no trabalho.
Os pés... molhados.
Isso foi Ontem!!
Hoje, continua chovendo e os pés...

terça-feira, 5 de junho de 2012

Para Viver Um Grande Amor


Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista — muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva oscura e desvairada não se souber achar a bem-amada — para viver um grande amor.

Vinicius de Moraes