Você chega em casa do trabalho e encontra um monte de recados na secretária
eletrônica. Como conhece bem a vida e é observadora, nem precisa ligar para
saber do que se trata: as pessoas não mudam.
Tem a que quando telefona é sempre para pedir alguma coisa. Uma
informação, um vestido emprestado, o endereço de uma costureira a quem você se
referiu 30 anos atrás, o que for, mas sempre, sempre um pedido, ou melhor: um
aluguel. Quando você ouve a voz na máquina já sabe e se não ligar de volta,
está mais do que perdoada. Deveria, pelo menos.
A outra só liga para contar problemas: da empregada que não veio
trabalhar na segunda-feira à filha que foi estudar na Europa e não dá sinal de
vida, a não ser para pedir dinheiro; passa por todos, até chegar ao principal:
o sentimental.
É preciso ter tempo sobrando para ouvir, sem gritar: "você acha que
quando ele me largou na festa sozinha e saiu com aquela piranha era o quê?
insegurança?" E você, responde o quê? para ter paz, o que ela quer ouvir,
isto é: "insegurança infantil, claro. Ele é louco por você, mas tem medo,
porque você é uma mulher muito forte". Pronto: ela fica feliz, e você
ainda tem tempo de ver aquele filme na televisão.
Tem também a outra que só chama para te agredir, com tantas felicidades.
Na vida dela tudo está dando certo: o homem é maravilhoso, os filhos são
divinos, ganhou uma ilha em Angra, vai passar o Natal no Egito cara a cara com
uma pirâmide; enquanto fala estraçalha uma caixa de chocolates, e ainda diz que
pode comer o que quiser que não engorda, a idiota. Para conseguir desligar
rápido, um método infalível: pedir dez mil dólares emprestados, já que ela está
tão bem de vida. O papo acaba na hora.
E tem a da psicanálise, que conta a sessão que teve no analista, entrando
nos detalhes mais íntimos da infância dos pais e dos avós, o que explica por
que seus relacionamentos nunca dão certo. Essa é das boas, e só fingindo que a
linha caiu.
Nesse caso, por precaução, deixe o fone fora do gancho até a manhã
seguinte. A outra é a encarnação da bondade e, como não quer incomodar, deixa
recados enormes dizendo que o motorista vai levar um prato de docinhos que só a
empregada dela sabe fazer, aqueles que você adora tanto. Como nasceu para
servir, já adianta: sabe que você é muito ocupada, por isso nem se incomode de
telefonar para agradecer. Para ela, saber que você ficou feliz já a faz feliz.
De matar, essa.
Raras são as que telefonam só para dizer que viram um filme que acham que
é a sua cara e aí sentiram saudades; com essas a conversa rola legal - você
conta suas coisas, elas contam as delas, se despedem com afeto, prazer, e
sobretudo sem aquele "precisamos nos ver - quando é que a gente vai
almoçar?" Esse almoço dificilmente vai acontecer - e as duas sabem disso.
E tem aquela que liga e quando ouve a sua mensagem desliga. Você sabe
perfeitamente quem é, e sabe também que ela vai ligar de novo até você atender
- você -, e não a máquina.
Por que as pessoas são sempre iguais?
Danuza Leão
Do livro "Danuza, Todo Dia", Capítulo "Cotidiano" págs. 41 e 42
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