Acabei de ler os contos desse livro do Padre Fábio de
Melo. Deliciei-me com cada um. Ora dei risada. Ora fiquei com o coração tomado de
compaixão.
Fico admirada com tanta imaginação para criar esses
contos. Padre Fábio é fantástico! E os nomes dos personagens. Quanta
criatividade.rsrs
Tem contos que é até difícil crer que é um padre
escrevendo.
Enfim, queria compartilhar vários contos aqui. Mas
escolhi um menor, porque sei que não é todo mundo que tem paciência para ler.
Você tem cinco minutos? Se tiver, prossiga e boa
leitura!
A Maria Antonia tem mania de chamar as pessoas de
"coisinha". Acho esquisito demais esse comportamento dela. Por outro
lado penso que seja uma forma inteligente de driblar os esquecimentos. É tão
feio esquecer o nome das pessoas. Outro dia chamei Jurema de Jurubeba. Quase
morri de vergonha. A sala estava cheia, e, por incrível que possa parecer,
todos se calaram justamente no momento que eu a cumprimentei.
Lucila não perdeu a oportunidade de me expor às
galhofas. Aliás, Lucila vive para me perseguir. E não é de hoje. Vem de longe
essa perseguição. Já no tempo da primeira escola fazia questão de me matar de
vergonha, como na ocasião em que pregou um papel nas minhas costas com uma
frase maldosa, escrita em letras garrafais: "Eu soltei um pum..." Eu
percebia que todos me olhavam e gargalhavam, mas não sabia o motivo. Fui
descobrir somente no momento em que irmã Emengarda percebeu a balbúrdia e
resolveu ir buscar as razões.
Ando desconfiada de que a escola esteja fazendo mal
pra cabeça do Geraldinho. Ontem mesmo veio com umas conversas esquisitas para o
meu lado. Tudo começou quando eu lhe disse: "Deus tarda, mas não falha,
Geraldinho!". A frase estava num contexto. Já me explico. Queria
consolá-lo de um calote que ele recebeu do neto do Vicente Moura. O pobre do
Geraldinho lhe vendeu um pião, mais meio cento de bolinhas de gude, e o
ordinário não lhe pagou. Depois da minha frase que apelou para a justiça
divina, o menino me fulminou com um olhar de desaforo e esbravejou: _Vovó, Deus
tem mais o que fazer do que ficar cuidando da safadeza de gente vagabunda!
Quase perdi a fala com aquela reação do menino.
Achei forte demais aquela expressão. Sempre fomos muito ponderados nas
conversas que tínhamos à frente das crianças. Aprendi com papai. Ele nunca nos
permitia falar palavrões. Depois do acontecido pude concluir que Geraldinho
deve ter aprendido isso na escola. Educar uma criança é como cultivar goiabas.
Por mais que a gente cuide delas, sempre dão bicho.
Geraldinho está comigo desde a morte de Isaura,
minha filha. O parto já havia terminado quando veio a febre que a vitimou. O
pai do menino resolveu sumir no mundo. Deixou-me essa goiabinha que faço
questão de cultivar.
A Semana Santa passou e Silvéria não fez a
confissão que havia me prometido. Depois fica querendo saúde. Ando desconfiada
de que essa doença dela é acúmulo de pecados. Já falei sobre isso, mas ela me
ignora totalmente. O que falta a Silvéria é uma boa correção espiritual.
Depois que foi abandonada pelo Henrique, nunca mais
encontrou o caminho da Igreja. Diz que conversa com Deus em casa. Eu escuto o
que ela diz e não retruco mais. Cansei. Quem tem que fazer isso é o padre, mas
nem com isso podemos mais contar. Longe vai o tempo em que os padres nos
recordavam de que o fogo do inferno continua aceso. Em vez disso, vivem dizendo
que a misericórdia de Deus está acima de qualquer erro humano. Tenha paciência.
É por isso que tenho saudade do padre Cornélio.
Nunca vi aquele homem abrir a cara pra ninguém. É assim que tem que ser. Depois
que os padres começaram a rir demais pro povo deu no que deu. Deus que me
livre! Quero ter uma dor de dente se estiver errada, mas esses padres
moderninhos vão acabar com a nossa Igreja.
Vira e mexe vejo o nosso novo vigário correndo de
calças curtas pela praça da matriz. Diz que é atleta! Deus que me perdoe, mas
não posso admitir uma coisa dessas. Um padre correndo de calças curtas? Será que
as freiras vão pelo mesmo caminho? Cadê o respeito? Se a gente encontra um
desses na rua nem consegue saber que é padre. Cadê a batina preta pra colocar
medo no povo? O padre Cornélio só era visto de batina. Qualquer hora do dia ou
da noite, lá estava ele, parecendo um corvo em estado de alerta, pronto para um
rasante salvifico no meio do povo.
Rosa Clélia não concorda comigo. Diz que sou antiga
demais para entender a proposta do novo vigário. Fala em tom de humilhação,
desejosa de me expor ignorante, pouco arejada. Não concordo com absolutamente
nada do discurso que faz, mas tenho medo de discutir com ela. É minha irmã mais
nova. Teve oportunidade de estudar fora e depois resolver voltar para
administrar a escola municipal. Voltou influenciada pela teologia da
libertação. Sinto até um arrepio na espinha quando falo esse nome. Durante uma
reunião das filhas de Maria, a irmã Celeste nos ensinou que essa tal teologia é
um movimento esquisito que quer colocar os comunistas dentro da Igreja. Ela nos
falou que, se por acaso essa teologia vingar, teremos que dividir até a nossa
escova de dentes com os pobres. Falou mais. Os padres adeptos pretendem matar o
papa. Terminamos a reunião em pânico. A irmã Ester foi vítima de taquicardia.
Dona Esaltina precisou ser amparada. Desmaiou no momento em que a irmã Celeste
nos revelou que o novo vigário fazia parte do grupo rebelado.
Mas, se não sou capaz de resolver os problemas do
papa, eu me esmero em cuidar dos problemas do mundo. A comadre Silvia ainda não
se livrou da dor no joelho. Já passou até num especialista, mas de nada
adiantou. Agora pôs a esperança numa pomada que Justino Ferreiro prometeu
trazer da Amazônia. Coitadinha da comadre. Caiu na conversa do safado do
Justino. Sabe muito bem que ele não vale nem o sal do seu batizado e mesmo
assim põe confiança na conversa dele. Tentei abrir-lhe os olhos, mas o desejo
de desinchar aquele joelho é tão grande que meu alerta não serviu pra nada.
_ Sem repouso não cura! - alertei. Comadre é
relapsa. Mesmo com o joelho doente, continua lavando roupa pra fora e duas
vezes por semana faz faxina na casa do prefeito Donatário Arouca. Enquanto
isso, Lucileide, a filha mais nova, fica batendo perna à toa, medindo rua. Não
alui uma palha para ajudar a comadre. Desaforo. Lembrei da goiaba bichada.
Sexta-feira de manhã o Zé Prego passou na minha
casa. Era portador de notícia triste. Seu cavalo foi atropelado pelo trem lá na
travessia que divide a Vargem Grande. Morreu na hora. Zé Prego era um
desconsolo só. E com razão. Era com o bicho que ele conseguia fazer uns
carretos pra manter a família. O cavalo era seu ganha-pão. Contou-me cheio de
tristeza que o infeliz estava junto com a tropa do Venâncio Bezerra. Juntou-se
por acaso. A tropa passava pelo pasto onde Zé Prego o deixara. Deve ter visto o
passeio da tropa e quis ir também.
Eu fiquei chateadíssima. Venâncio Bezerra não tem mais onde enfiar dinheiro. É dono de metade da cidade. Tanto cavalo pro trem passar em cima e foi passar justamente no cavalo do Zé Prego! Não me conformo. O pão do pobre sempre cai com a margarina virada pra baixo. Meu pai tinha razão. Ou não. Na maioria das vezes o pão do pobre nem margarina tem.
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