Reunidos no calçadão central da Avenida Atlântica,
entre as Ruas Souza Lima e Sá Ferreira, dezenas de cães participaram sábado à
tarde de um comício autorizado, em princípio, pela Administração Regional de
Copacabana. Eram cachorros das mais variadas raças e dos mais diferentes
tamanhos, desde Pastores Alemães até miniaturas Pintcher. Junto ao meio fio, no
local da concentração, um carro choque do Batalhão de Gatos, armados de unhas e
dentes, garantia a ordem. O primeiro a subir ao tablado, que era um engradado
de refrigerantes emborcado, foi um Poodle branquinho, de rabinho cotó.
_ Nossos donos são irresponsáveis! - gritou ele.
_ Abaixo os donos irresponsáveis! - respondeu a
multidão raivosa (embora toda ela vacinada).
_ Todo o poder aos cachorros! - prosseguiu veemente o
Poodle branco, cujo focinho lembrava vagamente o de Jane Fonda, e que era tido,
entre o Posto 6 e o Posto 4, como o líder inconteste do Dog-Power.
Em seguida, pediu a palavra um Weimaraner azulado, de
olhos tristes. Do alto do caixote, falou ponderadamente.
_ Meus modos, if...if... (estava chorando, o coitado)
... Meus modos refletem o do meu dono... Não quero mais, if... if... Não quero
mais passar vergonha sujando a calçada!
_ Nós também não! - responderam em uníssono os
manifestantes caninos. Lá do meio do povo, alguém latiu com voz de Pointer:
_ Nossos donos precisam aprender que lugar de
cachorro fazer suas “coisas” é em casa!
_ Bravo! Apoiado! - concordou a cãonalhada.
_ Pipi-dog! Queremos pipi-dog! - puseram-se a ladrar
umas cadelinhas Basset, cinco ou seis, provavelmente da mesma ninhada. - Somos moças
de família, e portanto temos direito a um lugar no apartamento, onde possamos
fazer a nossa toalete sem que os intrusos invadam a nossa privacidade!
_ Muito bem! Falou! Podem crer! – entoaram em coro os
cinco Dobermans que moram no Edifício Chopin, um dos mais luxuosos de
Copacabana, e que fazem pipi - vejam só a heresia! - na piscina do Copacabana Palace, que fica logo
ali ao lado.
Agora, estava no tablado um musculoso Boxer, com sua
cara abobalhada e seu tradicional bom coração.
_ Senhoras e senhores - disse ele - sejamos objetivos.
Desejo colocar em votação uma proposta simples, de três pontos, a qual, se
aprovada, será encaminhada aos nossos donos, em forma de abaixo-assinado. Primeiro
ponto:
_ “Quero meu pipi-dog no apartamento.”
_ Apoiado! - gritou a assembleia.
_ Segundo ponto... Mas, antes, para evitar tumulto,
prefiro que os distintos companheiros, em vez de latirem, ladrarem, rosnarem e
coisa e tal, balancem o rabo em sinal de aprovação. Aqueles que não mais
possuem rabo poderiam uivar, mas docemente, pois uma de nossas preocupações
principais há de ser a de não agravar a poluição sonora, de maneira a não indispor
a opinião pública contra nossa causa...
Todos balançaram o rabo, em silêncio. A questão do
orador fora aceita. Ele então prosseguiu:
_ Segundo ponto: - “Queremos fazer nosso cooper
canino apenas no calçadão central da Avenida Atlântica...”
Rabinhos balançaram para lá e para cá: aprovado.
_ Terceiro ponto: - “É preferível que não nos levem à
praia, onde involuntariamente causamos uma porção de doenças!”
Rabinhos alegres: de acordo.
_ Desta forma - finalizou o Boxer - poderemos afirmar
que somos felizardos e que temos donos educados!
_ Nosso dono vai ser superlegal! - exclamou a assembleia,
esquecendo a recomendação de só balançar o rabo.
Nessa altura, todos ali estavam com vontade de fazer
cocô e pipi. Sendo assim, o Poodle branco decidiu dar por encerrada a reunião, recomendando
que os manifestantes se dispersassem em ordem.
Mas nesse
instante pulou no caixote um autêntico Vira-Lata, magrinho, de olhos famintos,
as costelas aparecendo sob o pêlo ralo, o rabo entre as pernas.
_ Irmãos! - bradou ele, ou melhor, soltou essa
palavra num gemido. – Irmãos! Todos somos irmãos! Todos os cachorros são iguais!
Portanto, o verdadeiro problema não está no pipi-dog doméstico nem no pinicão
de apartamento. O necessário é que todos nós, os de pedigrees e os da rua, os
de raça e os vira-latas, tenhamos, todos, direito aos cuidados veterinários
periódicos, à vacinação gratuita, à alimentação farta e balanceada, à coleira
protetora com sua placa de identificação, aos banhos seguidos de talco contra
pulgas... Viva pois a revolução! Todo o poder aos cachorros, sem distinção de
raça, cor ou credo!
_ Uh! Fora! - gritaram os cães de luxo, que pertencem todos,
naturalmente, à Direita, e preferem que as coisas continuem como estão, no
plano mais amplo da justiça social. _ Fora Sarnento! Babão! Comedor de restos!
Ralé!
A multidão de sócios do Kennel Club avançou na
direção do anarquista, rosnando ameaçadoramente. Foi preciso que os gatos
salvassem o Vira-Lata do linchamento inevitável, para o que o cercaram, dispersando
a cachorrada ululante com bombas de gás lacrimogêneo.
Em seguida, o Batalhão de Gatos levou o Vira-Lata
para o lugar adequado a essa espécie de agitador. Ele agora está sendo
processado e é capaz de passar o resto da vida num canil-presídio. Acusação:
trata-se de um CÃOMUNISTA.
José Carlos Oliveira
olá! coloquei seu blog na minha lista (https://sintrabloguecintia.blogspot.com/)
ResponderExcluirOlá! Obrigada! Vou visitar seu blog também. Volte sempre!!
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